O Processo - A Adormecida que...

 

O Processo - A Adormecida que...

A Adormecida que Mordeu a Maçã Verde e Não Colocou o Dedo na Roca

Por Thaís de Almeida Prado

Depoimentos sobre o processo de Criação

A Adormecida que Mordeu a Maçã Verde e Não Colocou o Dedo na Roca surgiu de uma pesquisa pessoal iniciada em 2005 sobre o trabalho do cineasta britânico Peter Greenaway.

Neste período, esboçou-se a vontade de colocar o corpo em cena a partir de algumas temáticas que o trabalho de Greenaway abordava. A idéia era fazer uma performance que dialogasse com a obra do artista, porém eu ainda não tinha idéia de como trabalhar esta performance sem que ela se tornasse uma transposição do trabalho de Greenaway no cinema para cena. Busquei como base principal para esta construção a questão do corpo morto (elemento trazido do Butô) seu processo degenerativo.

Em 2007, com a vinda do cineasta ao Brasil, achei o melhor lugar para colocar a pesquisa em prática. Resolvi arriscar e propor o solo para a sua exposição The Tulse Luper Suitcases. Durante as conversas encontrei uma brecha para dialogar com “The Tulse Luper Suitcases”, uma Mala de nº40 intitulada A Adormecida, que no projeto de Greenaway conteria uma mulher dormindo na abertura da exposição. Propus então, que eu fosse a mulher da Mala nº 40 e que lá pudesse desenvolver meu solo.

Durante a proposição do projeto à Greenaway e à sua equipe, e influenciada por textos de Hilda Hilst e a recente morte de minha avó materna que costumava escrever diários, optei por ter um livro de cabeceira na minha mala onde eu pudesse desenvolver uma escrita diária e que ficasse exposto ao público durante meu processo de escrita.

Seria um livro em processo ou uma performance da escrita ou um livro performático.

Uma semana antes da abertura da exposição, convidei a artista Nathalia Lorda para fazer os registros em vídeo do trabalho e para dialogar comigo na criação de uma videoperformance.

O encontro entre vídeo, corpo, e escrita em processo foram as bases da realização deste trabalho que ainda ecoa com a produção de uma videoinstalação e uma proposta de publicação do livro performance.

Sobre os procedimentos

Para pensar sobre meu CORPO em processo na exposição e por influencias de um trabalho de Sophie Calle (Les Panoplies), criei um jogo de obstáculos e regras que eu seguiria a cada dia. Deveria ir todos os dias e ficar por pelo menos 1 hora na exposição escrevendo e descobrindo minhas relações com o espaço.

Na abertura da exposição, a partir de conversas com Greenaway, decidi que eu ficaria deitada na mala, de olhos fechados e que não me moveria durante as 4 horas da abertura. Para Greenaway a idéia era que eu realmente dormisse. Para mim, o melhor seria lutar contra o sono e me deixar levar pelo estado de dormência onde realidade e sonho se confundissem. Neste primeiro dia em estado “sonambúlico”, muitas imagens surgiram com o incomodo da imobilidade, com comentários do público e com a respiração que se tornava foco em momentos de dificuldade.

Nos dias que se seguiram procurei trazer a tona todas estas imagens e me alimentar das sensações que o espaço e público produziam. Quando não estava deitada, estava pelo espaço. Ficava parada muitas vezes em estado de contemplação. Eu contemplava os outros, e por alguns momentos alguém se percebia sendo visto.

“A Adormecida” era como uma daquelas imagens, como um objeto vivo no meio daquele espaço, onde a degeneração da matéria estava muito presente.

Minhas ações eram mínimas, mas perceptíveis. Respirava, chorava, sorria, escrevia. Brincava com o bloco de gelo que derretia em uma outra mala, olhava no olho de alguém durante segundos, minutos, horas. A busca era estar “presente” (o “it”), ser vista sem ser foco, ser notada sem ser um evento. Era simplesmente eu. Ela. De camisola branca.

Muitas vezes quando eu não estava no espaço, a presença desta Mulher de Camisola permanecia. O Livro da Adormecida ficava lá para os olhos do público, e eles me procuravam. Havia um mistério em se procurar esta mulher que nem sempre era encontrada. O público então, começou a me escrever cartas em resposta ao livro e eu me alimentava disso e “intertextualizava” livros, à fragmentos dos filmes de Greenaway, à cartas do público, à invenção de histórias e às minhas relações com o espaço, etc.

Foi um processo muito intenso e ao mesmo tempo delicado. Durante a trajetória meu corpo percebeu uma transformação física, dormir na minha própria cama já não era mais natural, e dormir na mala nº40 tampouco. Passei um mês (período da exposição) sem querer sair e fazer outras coisas. Me confinei ao espaço de uma maneira estranha mas prazerosa.

O tema em processo se configurou como a Espera. Era a Constância, a Permanência. Um jogo onde o Mínimo se tornava o Máximo.

A Maçã Verde que mordi na abertura e que ficou na cabeceira da minha mala ao lado do livro e de um jarro d’água durante 1 mês, apodreceu com o tempo. Ela era o meu tempo naquele momento e talvez eu fosse ela.