A Adormecida que não mordeu a maçã verde e nem colocou o dedo na roca.

(português abaixo  ) 
Exactly 10 years ago I was debuting one of my deepest projects. Exactly 10 years ago I felt for the first time that sleep was not comfortable and even possible. Exactly 10 ago I was writing a diary. 
A little before the exact ten years ago, me with my daring (which is not soooo daring right now), proposed a project to Peter Greenaway on his exhibition Tulse Luper Suitcases and had carte blanche to do whatever I wanted.
Me, an artist/nobody, a woman. Without knowing how to express myself in English (and I still don't). Me. Suddenly I was there. Where I wished so much to be during years. And yes, I proposed my project that was based on writing a diary inspired by the Greenawaynian universe with influences from Hilda Hilst and from my grandmother.
Inside the exhibition, there was a sleeper.
A sleeper who did not bite the apple.
A sleeper who did not put her finger on the rock.
A sleeper who slept to write. A sleeper who slept to dream. A sleeper who slept to wait.
Her bed... a suitcase for harps.
But she was not a harp.
She did not make any noise.
She just penned and stoled some items from each other suitcases around so that she could write about each item while in her bed.
Exactly 10 years ago I started a journey of a month that became an exchange of letters between Sleeper and the public. One month that seemed eternal.
The months before the exhibition start I was helping to assemble the installation which would be my second home. There, I was surrounded by really special people who encouraged me and helped me to make the project come to life. These people, I keep in my heart!
Thank you so much for this beautiful exchange Adriano Alves Pinto DeCamposDiana Van De VossenbergRosie Stapel, Joep Vermeulen, Serge DodwellMarita RuyterNathalia LordaFrancisco PeresEduardo Paiva, and Peter Greenaway.
Thank you for encouraging me to follow this journey.
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Há exatos 10 anos atrás eu estreava um dos meus mais profundos projetos.
Há exatos 10 anos atrás eu sentia que dormir não era confortável e tão pouco possível. Há exatos 10 anos atrás eu escrevia um diário.
Um pouco antes dos exatos 10 anos atrás, eu com a minha ousadia, não tão ousada assim nos últimos tempos, propunha um projeto para Peter Greenaway dentro da sua instalação Tulse Luper Suitcases e eu tive carta branca.
Eu uma artista/ ninguém, mulher. Sem saber me expressar em inglês. Eu. De repente eu estava lá. Lá onde eu desejei muito durantes anos estar. E sim, eu propunha um projeto meu baseado na escrita e inspirado pelo universo greenawayniano e com certas influencias de Hilda Hilst e minha avó.
Dentro da exposição existia uma adormecida.
Dentro da exposição existia uma adormecia que não mordeu a maçã.
Uma adormecida que não colocou o dedo na roca.
Uma adormecida que apenas dormia para escrever. Uma adormecida que apenas dormia para sonhar. Uma adormecida que apenas dormia para esperar.
Sua cama... uma mala para harpas.
Mas ela não era uma harpa.
Não fazia nenhum ruído.
Apenas escrevia.... e roubava itens de cada uma das outras malas para que pudesse escrever sobre eles em sua cama.
Há exatos 10 anos atrás eu começava uma jornada de um mês que transformou em trocas de cartas entre a adormecida com o público. Um mês atemporal.
Meses antes eu ajudava à montar a instalação que se tornaria minha segunda casa ao lado de pessoas muitos especiais que me encorajaram e ajudaram a fazer este projeto acontecer. Estas pessoas eu tenho no meu coração!
Obrigada por essa linda troca!

A Adormecida Que mordeu a maçã verde e não colocou o dedo na roca.
https://www.facebook.com/thaisalmeidaprado/media_set?set=a.32789929128.38765.637164128&type=1&l=14c5942da6



-1



depois de 1 século

E então ela acordou e começou a vomitar. 
Vomitou tudo que guardava dentro de si, todos os segredos dos quais tinha lembranças.
Vomitou suas dores, suas perdas, seus amantes, seus grandes amores.
Vomitou tanto que quase fez seu corpinho mirrado desaparecer. 
Quando olhou à sua volta se deu conta do vazio de onde estava e do abandono que sentia. Estava só a olhar para um grande galpão vazio que continha apenas sua cama/mala. Sentiu frio e teve medo. O que e pelo o que ela esperava nunca apareceu. Ninguém nunca veio em sua busca.
Uma sensação de tonteira perpassou seu corpo. Não sabia se chorava, se ria, se desmoronava ou se voltava a dormir em sua mala. O silêncio estava lancinante...


The Sleeper’s Book

O Livro da Adormecida
Suitcase nº 40

ou
A Adormecida que Mordeu a Maçã, Verde, e Não Colocou o Dedo em uma Roca.





1



Preparo-me para dormir.

Na cama lençóis, travesseiros, uma colcha ou edredom.
Uma Harpa.
Preparo-me para dormir e deito.
Deito para esperar. para esperar...
Charlotte, Catarina, Véronique, Esther, Hilda, Sophie e tantas outras.
Deito para esperar ou para talvez não mais ver o tempo passar.
Para simplesmente não afundar.
Simplesmente esquecer.

Água, maçãs, meu livro. Talvez figos. Posso ter fome.
Deito para respirar.
Ele me olha. Senta ao meu lado. Me observa. um olhar ao mar.
Sons por todos os lados. Luz por todos os lados. e eu aqui... tão pequena. tentando esvaziar de alguma maneira. Buscar o vazio. Zerar.










2













OLHAR AO MAR.....


















3




Procuro uma caneta.
não acho.
Pego um lápis.

Escrevo. Meu corpo treme.
Os sons não saem da minha cabeça.
Vozes que não param.

Quero chorar, mas não posso.
Quero chorar e não consigo.
Perdi meu fluxo
Meus textos
Escuto passos. pessoas.
Alguém me olha com pena. Não é para ter pena.
Quero escrever para me movimentar. Sem parar. Não quero parar.
Rabisco... rabisco
Algumas bolinhas no meu corpo.
Acho que o calor...











4




Estou sozinha. Mas não. Alguém passa.
Ele deixou um cristal no meu livro e acenou com a mão
dou um sorriso...

foi-se.

E eu fiquei. Um feliz melancólico.
A ponta do lápis acaba e terei que pegar outro. A caixa de lápis de Ruby.

Agora olho para o cristal que ganhei.
Não quero parar de escrever. não posso parar.
Suspeito... gritam
Alguém apanha.
As vozes não param.
A ponta do lápis

foi-se










5



Alguém me olha nos olhos.
Não decifro muito bem.

o lápis...
sempre o lápis

Espero por alguém que não chega
não chega...
não chega...








Roubei um lápis aqui do lado













6





Um lugar cheio de lápis...
aqui existem muitos destes.
me perguntam algo.
será que respondo?

Acho que a vontade de escrever está esgotando
será que estou esvaziando?







7





Vocês querem saber a minha história...?
Mas eu não tenho uma.
Eu espero uma.

Fecho os olhos
não quero que a imagem se acabe

Estou num campo de rosas vermelhas. Elas caem sobre o meu corpo. caem e não param. caem e começam a me sufocar. caem e começam a me cortar.
Fecho os olhos e não adianta.
Elas continuam caindo em cima de mim.
o perfume é muito forte. é bom. mas sufoca.
estou afogando.

Me perguntam muitas coisas aqui. mas eu não quero responder. eu não tenho respostas.








8






Sonhei que era o homem que sabia de tudo, mas eu não sei nada.
quero escrever. não paro.










9



Era uma vez uma linda moça.

escutei iso em algum lugar...














10



Minha boca está seca.
Este lugar é muito seco. muito seco. Queima.

Uma maçã apodrece ao meu lado...

Serei eu?
(um vulto extasiado que supus ser o meu)
Meu corpo quer se mover, mas não consegue.
Estático.
O corpo não mais obedece.

Alguém uma vez chamou o corpo de irmão burro
“preciso ter uma conversa séria com você irmão burro”. Preciso que se mova para eu sair daqui antes que fique como esta maçã ao meu lado.

Verde, mas podre.









11



Um campo com muitos sapatos.
Estou deitada neles.
Vozes...
Acho que em algum momento acordo.
meus olhos tentam se mover.
não se movem

Como se abrir fosse impossível.

Hoje não quero olhar para ninguém.
dói muito...


Escutei vozes acolhedoras. Estou calma.







12



Hoje estou cheia de vazios.





e mais uma vez o lápis me sabota...

roubarei outro...






13



Minha mão sobre o papel tenta expressar algo...
Acho que não sai.
Esgotada...

Fragmentos de sonhos, sustos.
será que dormi?
ainda durmo?

Ontem chorei. tudo me fazia chorar.

Hoje apenas contemplo.




Ninguém canta para eu dormir...






14



Outro lápis roubado...
este tem mais cor, porém é mais feio.










15



Muitas imagens hoje.
resolvi escrever...

“procuro uma rua vazia de você” disse o moço.
Aqui todas as ruas são vazias de você. Só vejo seus fragmentos. seus rastros...

Hoje encontrei um pequeno caixão. deitei sobre ele e fiquei lá por algum tempo. não sei exatamente o que me fez fazer isso. talvez a vontade de te encontrar em algum pedaço de coisa daqui. Pedaços de coisa sem você.






16



Deitei na areia da praia.

a areia era muito quente e a água muito gelada. dois contrastes em relação ao meu corpo estirado na areia. A Água batendo... e eu ali. Só. Respirando. Respirando.

Não consigo expressar as imagens. Ela não era essa. Era outra.

Esse lápis é escuro demais. me reprime talvez...






17



Vozes conhecidas...
são reconfortantes
Mas doem quando elas somem.
Porque elas somem?
porque vão embora?
Fico aqui e espero...

Talvez devesse usar a sugestão de um amigo e guardar todas essas vozes em garrafas, ou em potes. Potes de Mel. Geléia.
E toda vez que me sentisse abandonada abriria um dos potes para escutar uma voz.

92 segundos para cada um.
para cada coisa do espaço
para cada vazio de você
para cada lágrima terminar de escorrer.

Sinto frio, um frio meio cortante.








18






Hoje o dia é cruel
e a noite Burra














19



Ninguém me conta histórias enquanto durmo.

Era uma vez uma moça que esperava por uma história. talvez uma história sobre ela. uma história sobre sua vida. uma história boba...

“Não é assim que se começa uma história?”.








20




Tenho medo.

Hoje eles vieram até mim.
São muitos e são sádicos. Chegaram perto e me roubaram todo o ar.
Estou sem vontades.
Queria que alguém me contasse uma história bonita. Não quero ser engolida por eles.

Preciso seguir as faixas amarelas, pelo menos elas me dão alguma segurança quando abro meus olhos.
Estou sozinha. A música toca.
Estou assustada. Meu coração dispara.

folhas em branco
folhas em branco
folhas em branco
folhas em branco também dão medo. Preciso preencher os espaços vazios.

Cansei do Vazio. Eu quero o cheio agora. o que incha e inflama.






21



























Em Branco...









22





Redundâncias...

sou uma junção de redundâncias. meu improviso não muda. Permanece.

Escutava uma música melancólica, deitada no chão gramado. A imagem em movimento.
Eu deitada
A chuva que caía gelada.
Escorria
Me fazia escorrer. Eu me misturava ao chão gramado, eu virava terra ou sei lá o que. Não era mais eu.
era outra ainda à espera.
à espera de uma história bonita talvez.

Eu não sei contar histórias. Elas estão entrecortadas.
Pessoas acenam. Estão distantes de mim.

Contemplo.

Preciso de envelopes.







23





É sempre o mesmo som. ele volta a todo segundo como um zumbido de abelhas em meus ouvidos, como um relógio desesperado me alertando sobre algo que não sei.
Minha respiração não consegue fugir de seu ritmo.

Siga as linhas amarelas.

Quero atravessar a grade e parar.

Tenho medo de sair...
lá fora é frio.








24 - primeiros objetos



Gelo
uma sensação de dor e ardor, de dor e ardor. prazer. uma explosão. êxtase.
O beijei.

Pena
sutil. delicada. Acalma... acalenta.

Vidro
cortante. cacos de vidro. o rasgo. a separação da pele. arde e jorra o líquido vermelho.
cicatrizes.

Grade
onde se espera. fria. nostálgica.

Lápis
para que não me faltem palavras.

Papel
em branco. perfume de mulher. segredar.








25









Estou serena.
O medo se foi.


Amei alguém...











26



Estou na página 33 do meu livro.
Contar é bom. Me faz não pensar. Disse sobre o contar dos números.
Não pensar é bom. Me faz agir.

Dentro desta inação, REagir.





Diga 33. Ele disse.








27



Hoje está tudo muito silencioso.
Recebi uma carta.

Contemplei.

Hoje foi a minha vez de olhar.

Hoje não preciso dizer mais nada.













28


Alguns sonhos se misturam à realidade. Talvez seja bom não saber o que é real.
Uma confusão que me mantém viva, pulsando.
A maçã ao meu lado está enrugada. Como uma velha senhora esperando o tempo passar.
Ela sofre a interferência deste tempo.
Uma natureza morta morrendo mais a cada dia.

Hoje não me sinto mais uma maçã. talvez amanhã










29



Tento sair, mas a vontade é de ficar.
Sensação de tempo curto. pequenino como eu.
A inação de uma ação continua.

(rabiscos no livro)

Desisti mais uma vez.
Um poço de desistências antes mesmo da própria tentativa.
ou talvez seja apenas uma compreensão errada...











30



Uma ausência...

Algo falta.

uma parte de mim.

uma parte de mim agora se foi.

Será que Volta?
Volta

Cada dia mais e mais vazio.
Respiro para encher um pouco O De Dentro
O De Dentro.









31




Recomeçar.

Lembrei de um fragmento de texto que era mais ou menos assim

“Nesses caminhos os começos começam,
Começar agora
Nesses caminhos trocas são extemporâneas”

engraçado ter vindo assim...












32







O que estou fazendo aqui?
Estou improvisando”












33



Hoje as formigas se aproximaram de meu corpo. Senti várias delas me pinicando. Geravam movimentos involuntários em meus membros. a luz vinha e voltava. Eu era resto, pó, fragmento.
Dentes, costelas, carnes.

Se eu sou real? Sim, acho que sim. Muitas vezes me confundo.








34

Uma moça um dia começou a sua história com uma frase que hoje não me sai da cabeça.

Vazia e cheia
Vazia e cheia...

Tão curta, mas tanta informação.

Estou como que Vazia e Cheia. As formigas já perceberam isso. Passam por mim e deixam seus rastros. caminhos. Invadem cada parte. Tiram a minha privacidade.
Tenho vontade de correr e gritar.
Não.
Não vou dizer mais
Nada
O Corpo Burro não corresponde.
O Corpo Irmão Burro que não responde aos meus comandos. ou então meus comandos é que não correspondem à paralisação de um corpo invadido por formigas.
Elas têm um gosto adocicado.
Começo a invadi-las também. morder uma por uma.
Começo por suas pequenas patas, como o tronco e depois a cabeça de antenas imperceptíveis.
Quero devorá-las e deixar que se tornem o meu próprio resto. O meu próprio pó.



(rabiscos)
Aqui os erros são visíveis.












35







Descobri que meu livro está de cabeça para baixo.
Confesso gostar da inversão das coisas.

Tenho fome. Uma vontade enorme.


(rabiscos)





36


O que estou fazendo aqui?
Estou em estado de contemplação.

se assim podemos dizer.

Contemplo para esperar.
Espero para Contemplar.


Os outros estão lá. Estão Aqui.
me olham contemplar.
me contemplam olhar.

Preciso de espaços
Espaços Vazios
Espaços entre as vértebras.

Preciso de um espaço para encontrar (rabiscos)
Aqui os erros são notáveis.







37

Minha boca está seca e não consigo completar minhas idéias.
Uma moça um dia disse que em situações de medo nossas bocas secam.
Ela disse para passar um pano umedecido sobre os lábios para “enfrentar” o medo.

Preciso de um pano molhado pois minha boca está seca e água não resolve.
A água não resolve.
Você poderia umedecer minha boca? talvez com a sua.
Me dá sua mão?
Mas você não existe. não está.

As malas são só fragmentos.
como eu e as formigas






38



Quero mais cartas.











39

Estou parada com o lápis na mão em frente ao caderno a mais de 1 minuto e não consegui escrever nada.

Parada

As imagens só passam, mas não se fixam.
Continua parada.

1 minuto para cada frase.
para cada mudança de olhar no espaço.






40

Em desequilíbrio

Hoje tudo que escrevo rabisco.

Ando trôpega...
Levanto e caio.
piso em ovos, caio em ovos.

Alguém me diz oi.
Olho apenas. Não preciso responder.
Eu não o conheço.
Conheço?
Olho para entender quem é, o que é. Mas não entendo.
De onde poderia ter sido?
Ou será que ele disse oi apenas para dizer oi.
Educado.

Aqui sempre falamos Bom Dia.
Mas eu não.
Uma estação de trem...
Pessoas a minha volta. E eu aqui. Sem dizer oi. Como num sonho que se transforma em algo que não é.
Acho que mudei de assunto rápido demais.
Mas também já não me lembro do assunto.

(rabiscos)


Percebi que recebi carta hoje.
“Carta é bom,
mas não muda o fato de eu ter continuado sozinha”.

Quanto tempo será que uma carta dessas, como esta Harpa, demora para chegar em algum lugar?

Hoje não consigo pregar meus olhos. Eles querem ver tudo e todos...
Qual é o melhor lugar para esta Harpa chegar? Até onde posso chegar?







41

Quero um copo de mel para beber até o fim do pote. Vai ser difícil acabar, pois ele não é como a água e o fim dele necessita de uma espátula, ou as mãos, ou minha língua.
ferina. como cães.
Sonhei que poderia ser um cão. Mas o cão é o outro que está por perto.
Sempre acordado. olhando.

Alguém uma vez falou dos olhos do cão.
Mas já não me lembro o que falaram.
Acho que era sobre um homem que não se sentia mais em seu próprio corpo. Como se o que o corpo fizesse não tivesse mais sentido. Mulher, filhos...
ele gostava de ficar no prostíbulo lendo. O lugar mais tranqüilo para ler na parte da manhã. Acho que ele também tinha um amigo que amava uma porca.
Era casado com ela.
A porca o compreendia e ele compreendia a porca.
Acho que tinha uma árvore na história. Uma árvore velha talvez. Não me lembro ao certo o que acontecia e nem a relação do cão com tudo aquilo. ou seria uma cadela?


Aqui a porca e o cão dormem.
As maçãs apodrecem e os figos apodrecem.
E alguém um dia morreu envenenado por figos. Ou ele achou que estava sendo envenenado e morreu.








42

Não consigo pregar os olhos, mas sinto que as pessoas querem ver meus olhos fechados.
Falei de um trem em algum momento... Por que?
Talvez porque andar na faixa de segurança me faça não descarrilhar. Mas descarrilharia do que mesmo?











43

Uma vez encontraram em uma mala menor que essa. uma mala que não era para harpas. e que não tinha lençóis, travesseiros, papéis...
Nela encontraram uma mulher. Porém seus braços e pernas não faziam mais parte do seu tronco. Sua cabeça fora de lugar.
Talvez ela tivesse colocado sua cabeça no colo para escutar seu ventre. seu bebê no ventre.
Ela estava desmontada, mas ainda assim existia ali. Dentro de uma mala para roupas que viajava nas mãos de seu marido.
Ele queria enviá-la para algum lugar melhor.
Talvez o lugar no qual vivessem não fosse um bom lugar para se viver.

Será que se essa mala contiver uma Harpa ela vai mais longe?










44


Havia um moço que... Não. na verdade não havia moço algum. É uma mentira.












45

Escuto muitas vozes. As pessoas se divertem.
Eu quero entrar na água e mergulhar, mergulhar, mergulhar até chegar onde não se consegue chegar. Será que existe um lugar assim?
Se não se chega, como dizer que existe?
Meu Deus, quanta Bobagem! Ela disse.

Enfim, o que importa é que preciso mergulhar.
Mergulhar e sentir o peso da água sobre meu corpo.
uma densidade maior.
quero o que é denso.
movimentos mais tranqüilos, porém fortes.
uma serenidade.










46

Uma moça escrevia em seu caderno listas das coisas que lhe davam mais prazer.
Com o tempo passou a escrever listas das coisas que odiava.
Sua necessidade de escrever também fez com que ela começasse a escrever livros nos corpos de seus amantes.
O seu maior livro era seu verdadeiro amante.
sua pele foi retirada.
da sua carne e vísceras, mais nada.


Ainda existem muitas folhas em branco aqui.
e ainda nenhuma lista de prazeres e desprazeres.








47







Hoje colocarei três envelopes aqui.

(rabiscos)











48

Uma máquina de suspeitos não para de apitar.
Às vezes percebo a fábrica cheia de máquinas. Preciso tomar cuidado para não esbarrar em nenhuma delas e nem me parecer com alguma.

Acho que estou sendo manuseada agora.
Meus olhos pesam.


Acho que esperar não vai me fazer chegar...












49

Tenho medo de fechar os olhos e não voltar mais. Sinto-me cada vez mais como a maçã ao meu lado.
Minha pele começa a grudar em meus ossos. É como se eu começasse a virar meu próprio esqueleto. Meus lábios grudam um no outro e exigem muita força da minha mandíbula para que eu possa abri-los.

A água não para de escorrer.
Resseco
Uma mulher esqueleto.

Era uma vez uma mulher esqueleto que se pendurou no barco de seu amante. Ele tinha medo dela e corria nas águas a uma velocidade cada vez mais rápida para escapar. ela nunca se soltava. seu esqueleto se arrebentava nas pedras do rio. o homem não olhava para traz e corria. corria sempre.

Preciso me pendurar em algum lugar para não desaparecer.
Cada vez mais a água escorre. Esvazia.
Não quero fechar os olhos.
Não posso mais fechar os olhos.
Será que alguém pode me contar uma história para eu dormir?










50

Alguém tentou me contar uma história.
Quando abri os olhos ele se assustou e correu.


Respiração, pausa.
Respiração, pausa
Respiração.

Amei alguém.

Agora uma calmaria
uma calmaria de idéias.

Ele me viu, só falta vir para me levar.

Minha pele osso é cada vez mais osso.
Hoje Beijei o gelo para não mais secar.
Abracei, amei e roubei do gelo sua confiança.
precisava de água.
Depois deixei que ele derretesse e fui embora.








Por favor, quando não estou, estou.












51

Acabei de roubar outro lápis. ponta fina. bom para escrever. escrever é bom.
Acalma.

Recebi agora uma carta sobre meus escritos.

ando, mas volto a escrever porque hoje estou frígida.
Não consigo. não posso.
Olho tudo e nada é.
Falta sentir aquilo que muda. que transcende.
Falta acordar para dormir.










52

As pessoas me escrevem agora.
É bom.
Confesso que fico curiosa para saber de quem é cada carta.
Cartas anônimas
declarações anônimas.
E eu continuo só, sem saber com quem me correspondo.


Alguém escreveu:
I’m in love,
But not with you...”

Quem teria escrito aqui? quando cheguei já estava.
Será que pareci estar “in love for”?

me respondeu:
“Não. Just for a friend.”

Hoje estou Frígida. Não sinto...










53

Alguém me escreveu:

“Você não é música, mas deita-se como as Harpas.”

e outro alguém:

“A porca quis torcer o rabo... Já era!!!
Você agora vai ter que concluir a obra Brasil...
Que é Única”

Não gosto quando as pessoas escrevem no meu livro de cabeceira. A cabeça da cabeceira é minha.
fico confusa.
Tudo é tão confuso...

Gostaria de receber em cartas, em papeis que eu possa colar.
Aqui no meu livro eu realmente fico confusa.
Como se os pensamentos fossem meus. e não são.
Hoje me sinto dentro de um circular. Volto para o mesmo ponto, e volta para o mesmo ponto...
sem fim...
respirar me faz chorar.
recebi cartas hoje. me sinto mais cheia.
talvez as pessoas queiram preencher as páginas em branco do meu livro. o meu branco.
A música também volta sempre para o mesmo lugar.
sem começo, meio ou fim...

Acho que fui percebida no momento ápice da minha confusão. eu acho. não sei o que fazer, se saio correndo... e a música continua no mesmo ritmo. sem parar.

Chorei bastante agora
Chorei por respirar.
Foi bom
Estou leve.

a confusão passou...
acho que agora as coisas estão mais simples.

Eles passam e me olham. Mas agora está tudo bem. Agora está tudo bem.

“para cima e para baixo
para cima e para baixo.”

A linhas... devem ser as linhas... as linhas.
As linhas, elas não tem começo nem fim.
Elas são. simplesmente são.
Alguém sorri. Isso é agora.











54

Hoje tenho frio.

Há algo de diferente no ar.
O perfume não é mais o mesmo e respirar me fez chorar.
Enquanto eu dormia, via muitas linhas de luzes. faixos. vários. eles se movimentavam e pareciam ser quentes.
Havia uma música que também se parecia com esses faixos de luzes.
Era um ambiente bom. Aconchegante.
Não tinha medo de nada.
Estava bem no meio de todas aquelas luzes.
Mas então desperto e sinto frio.
Vejo a maçã e vejo a cadeira ao lado da maçã.

Uma moça um dia escreveu algo como:
“A cadeira, que está ao meu lado me é um objeto. Inútil enquanto eu a olho. Diga-me por favor que horas são porque quero saber se estou vivendo nesta hora”.

A cadeira, a maçã que murcha ao meu lado, uma Harpa e sua mala.










55

Descobri que posso emitir sons. Inúmeros deles.
Talvez eu realmente tenha me tornado a Harpa desta mala e ainda não tenha me dado conta disso.
A música circulante, eu circulante.
Emitir sons sem parar, como dançar.
não preciso parar.
é Bom.
Me faz chegar mais perto de você

Escutava sua voz ao meu lado no início. Agora não mais.











56

A água do copo evapora, pois resolvi não beber dela.
Ela some, como esta maçã... cada dia menor

Há uma mala com inúmeras maçãs. Foi de lá que tirei esta.
A mala está perfumada, e as maçãs parecem muito vivas ainda.
Mas esta ao meu lado não. Pode ter ficado doente por não estar com suas companheiras de viagem.
Alguém me escreveu que a maçã poderia ser a velhice e que eu poderia ter medo desta velhice.
Observo a maçã e a acho bonita.
Alguém me escreveu que chorou ao vê-la. A maçã. É tão bonito alguém que chora.
Alguém que chora por ver uma maçã...
Alguém que chora pelo simples fato de chorar.
Havia uma senhora. Uma matrona de grandes olhos verdes, verdes da cor desta maçã. Ela dizia que depois de velha não chorava mais. Já havia chorado tudo. Também dizia que jamais deixou que a vissem chorar. Nem quando seu esposo morreu.
Ela me contou muitas coisas de sua vida.
Uma delas foi que o seu grande amor faleceu à sua espera. Na juventude ele fez algo que ela jamais perdoou. Casou-se, mas seu sentimento pelo outro permaneceu.
O marido morreu e ela continuou com seus olhos grandes e verdes.
Sempre muito fortes.
Muitos anos se passaram e ela descobriu que aquele moço que amara na juventude havia falecido.
Seus olhos grandes, verdes e muito fortes começaram a ficar opacos. Começaram a murchar. Como esta maçã. Seis meses depois ela morreu. morreu sem... ...

Eu tentei não chorar por ela, afinal não era coisa de moça forte o choro. mas não...
Eu chorei... e depois fiquei leve.
Como as penas que voam por aqui. Como a casca de um ovo quando está vazia... sem clara... sem gema.

Chorar é bom
acalma

Hoje eu vi um moço que sorriu para mim. Tentou me dar um susto. Eu sorri.

Antagonias do chorar e do rir.

Não é triste... não é engraçado...
simplesmente é.
o “it”


“O que estou fazendo aqui? Estou improvisando”.
O que me Salva é o Grito”


A ponta do lápis
sempre o lápis
acabando...

Eles são muitos aqui.
gritam, falam alto.
me assustam.
uma brincadeira sádica.
Estão sádicos.

Obs: esta métrica não existe. Ela é pra ser assim, assim mesmo.














57

Em resposta a uma pergunta:

Por que, Por que?

Para que essa mania de racionalizar tudo? entender o que?
acho que não tem para entender. não do jeito que você pretende entender. Viva suas impressões. não me peça para explicar. Eu não tenho esse direito. Deixa que o seu subjetivo seja ele mesmo.


Não sei se a resposta era essa. mas neste momento foi assim.

Existem muitos erros por aqui. erros de concordância, grafia...
Escrevo mais devagar do que penso.
É, os erros aqui são visíveis. não vou corrigir agora. apenas percebê-los. erro é assim mesmo.
Um dia eu corrijo.

Agora deixo o bonito e o feio transparecerem...
os erros...
assumo os erros.












58

Parada.
O perfume do livro me trouxe lembranças.
Um dia fiz uma lista de
(rabiscos)

Continuo Parada.
Vou e desisto.
Preciso ir embora antes que tudo se modifique SEM mim.

Do outro lado desta sala há uma lâmpada que balança.
Ela vai e volta.
Sozinha.

A cadeira está vazia
e uma voz repete
suspects
A luz as vezes acende mais e às vezes se apaga por completo.








59







Perdi o Fio










60

Perdi o Fio.
Não me lembro mais o que queria dizer com isso.
Pessoas riem à minha volta. Tenho medo que se aproximem.
Hoje devo ficar parada.
Quase estática.
Sem um movimento.
Tem algo que não posso.
Acho que não tenho mais o controle dos meus movimentos...

Alguém me escreveu para não me desprender das sensações que mexem com a minha personalidade,
Essa pessoa leu meu livro em voz alta para que eu dormisse.
Hoje nenhuma sensação.
Hoje quase estática.
Perdi alguma coisa no meio do caminho.
Hoje tudo é muito difícil. exige muito esforço.
Acho que perdi sim alguma coisa.
Preciso andar para voltar a encontrar.
Hoje tudo que escrevo não é o que quero escrever.
o que parece ter sentido perde o sentido em segundos. talvez eu devesse voltar alguns capítulos e recomeçar. num caminho onde os começos começam. começar agora. neste caminho onde as trocas são extemporâneas.
Se eu soubesse desenhar, desenharia...
As palavras não me obedecem.não seguem a ordem. não obedecem a ordem que quero.
Talvez porque hoje eu não saiba qual é essa ordem.
Vou parar.
Não me movo mais.

A partir de agora.
ainda não parei...
meus movimentos...
meu corpo me sabota.








Tentativa nº 2
Parada.















Parada.
por 10h40 minutos.


















61





Hoje é outro dia de muitas vozes.
As vozes circulam e querem me afogar. me afogar sem piedade.
Alguém queria que eu me levantasse. Eu não quis me levantar. Eu não QuiS.
As vozes continuam me afogando.
Falta ar
Aqui ninguém brinca. É tudo muito sério. As vozes se levam a sério demais.
Levam as coisas ao seu redor a sério demais.
Falta leveza, falta sarcasmo também. falta ar.
Insistem em me afogar. Conto incessantemente.

Alguém quis que o bichinho da jaula se movesse. Um zoológico. Dois irmãos não fizeram questão que o bichinho se movesses aproveitaram para filmar seu corpo morto em decomposição. É tão bonita a decomposição. Uma coisa que está aparentemente completa e que começa a se perder. a se deteriorar. As partes começam a se separar e o todo é a separação de todas essas partes. O odor muda o ambiente. Os vermes têm o que comer e passeiam por cima deste corpo que já não é mais um corpo. ou ainda é. deve ser uma sensação interessante essa de não ser nada e ainda sim ser alguma coisa. uma junção de coisas. Provavelmente não dói porque você acaba se acostumando com a sensação de algo que te corrói, de ter algo que morde de um lado, puxa e engole de outro. E qual seria a impressão do osso nisso tudo? Ele fica poroso?
Alguém diz da boneca.
Alguém diz da boneca viva.
Mas quem garante que a boneca não é só um objeto em decomposição. Algo sendo devorado por vermes que ficam ao seu lado, urubus que a velam.











62

Havia um cabaré e havia uma moça neste cabaré.
Ela se divertia.
Beijava homens e mulheres.
Ela era sistemática.
Tudo sempre tinha uma ordem. E ela neste cabaré.
Onde ordem era incompreensível.
Ela contava. Fazia seqüências e contava a distância de sua casa até o cabaré. o resultado da contagem deveria ser sempre o mesmo, caso contrário ela se desesperava. entrava em pânico, se perdia, não se movia mais, travava. chorava ali parada.
A mulher também seguia uma ordem de alimentação. para cada dia da semana uma cor e um tipo de formato. Os alimentos de cor laranja por exemplo, deveriam ser às segundas feiras. os verdes às terças e assim por diante. Uma ordem específica. uma contagem específica.
Um dia esta mulher vai ao cabaré e propõe um strip-tease.
Ela tinha uma ordem para cada peça de roupa. Cada uma ligada a alguma peça de roupa masculina que ela mandava todo natal para um homem. sempre o mesmo homem. Nada podia sair da sua ordenação.
Eu não me lembro bem o que aconteceu depois disso. Mas lembro que ela foi encontrada desacordada em um canto do cabaré, com hematomas pelo corpo e várias roupas largadas ao seu redor.
Perdi o Fio novamente... por que contei da moça do cabaré?


(rabiscos)

Conto para que não me afoguem. Cada número é um pouco mais de oxigênio que ganho...










63






Ele me olhou.

Olhar ao mar...












64



Disseram que ele apareceu por aqui e não me encontrou.
foi embora...
Mas eu estava aqui.
Sempre estive.
Desde o começo.
Será que devo me sentir sozinha por isso?
Onde terei guardado o pote com as vozes?
...Um pote de mel está bem.










65

Na hora que estava bem no fundo alguém me segurou pela mão.
A água se tornou morna, um pouco salgada. Eu podia respirar dentro dela. Essa pessoa me botou no colo debaixo da água e me deu segurança.
Calmaria.
Já não me afogava.
Era como se o meu corpo fizesse parte daquela água.
Ela batia nos meus cabelos, a água.
Acho que não precisei mais contar naquela hora.











66

Existia uma velha que tinha mais de 40 cachorros. Ela não era casada. Já havia sido, mas ainda sim pornografava...






Crianças.
passam
órfãs.













67

Em algum momento eu quis gritar.
Explodir como um cristal
sem sobrar uma parte
apenas o pó cristalino.
E então apareceu um casal que simplesmente me olhou.
tão bonitos os dois...
Eles sorriram
E eu sorri também.
Acho que escorreu uma lágrima.
Caiu e se foi.













68


Tiraram a imagem dele da sala com lâmpada. É um canto oposto a outro canto.
Uma moça contou que todos poderiam ser os mesmos.
Todos São os mesmos.

Mas não estou tão certa disso. Aparentemente o meu corpo não é o corpo dele.
... Ou é e eu já perdi a noção de principio e fim. Devo estar no meio.
O meio de algo que não sei.
Uma metade de algo mordida.











69


Existiu uma moça que virou um daqueles cavalos com chifres. um só na testa.
Ela contava a história de um irmão gay e uma irmã lésbica. Os dois... ...















70



Tiraram a imagem dele da sala com lâmpada.
Era bonito ele.
Estava lá por algum motivo. E eu aqui.

é aqui em francês.

Moi. je suis , moi.















71

A mala nº 40 com Harpas está desconfortável. Não é o que parece.
A Mala nº 40 hoje tem muitas coisas dentro, e não é o que parece.

Não me lembro mais. parecer ou...
Hoje idéias não se completam.
vem e vão
rapidamente.

Antes eu tinha medo de tantas folhas em branco. Hoje tenho medo de que elas acabem.

“o que estou fazendo aqui?
estou improvisando”.

Alguém por favor pode me contar “a” história?
Onde foi que parei?
Será que dormi?
Sinto um cheiro de comida. Fome talvez?
Alguém me notou aqui. O barulho dos trilhos...
Às vezes para.
trava.
Em algum momento acho que tocou uma música.
Não sei escrever com notas musicais, senão elas estariam aqui. poderia tentar cantarolar.

O moço de chapéu passa. Já havia passado uma vez.
Era uma vez...
não é assim que se começa uma história?
começar agora... Preciso numerar as páginas do livro invertido. O livro de cabeça para baixo.

Alguém me escreveu:
I’m in love, but not for you... just for a friend”. E em algum momento eu acordei.
preciso contar.









72

Numerei 13 páginas. Sigo na 131.

Eu estou um tanto perdida. Acho que é para contemplar.





A moça de olhos de calmaria me olhou nos olhos durante muitos minutos. fiquei calma.











73




Uma pergunta.
Quem vai me segurar quando eu cair?










74

“Papel de desenho não é escasso”
Como era isso em inglês mesmo?


Lembrei de uma história.
Era uma vez uma moça que amou.
Ela foi envenenada ao morder uma maçã.
Alguns homenzinhos a colocaram em uma cripta de cristal para que quando seu amado a encontrasse, ele a beijasse e a despertasse.
Como ele nunca apareceu, todos puderam observar com muitos detalhes o corpo da linda moça sendo devorado pelos vermes. Todos todos observaram. observaram o procedimento da sua devoração. observaram o processo de deglutição, até que não sobrou mais nada da linda jovem a não ser uma cripta de cristal e musgos a sua volta.














75




Alguém pode me dizer que horas são?
Preciso saber se estou vivendo nesta hora”













76

Alguém me disse que estamos em lua crescente e que isso é bom.

Hoje me lembrei de tantas histórias...
Uma vez encontrei uma senhora em uma rua vazia. Ela tinha muitos cães que a seguiam.
Em sua casa a cada andar pelo qual passávamos, encontrávamos montes deles. Havia andares que eram baixos, baixos e na altura deles. Os cães.
No último andar lá estava ela. Existia uma porta pela metade. Barulho dos trilhos de trens. Os cães. Ela vazia e uma palavra que apareceu no meio da conversa...










77



Tenho medo de ficar aqui para sempre...






Acho que preciso ficar parada novamente.
esbranquecer.















78


Acho que me perdi em algum lugar.

Ficou lá.
Em algum momento ela acorda e percebe suas mãos amarradas.
Ela percebe seu corpo molhado e gelado. Gelado como o gelo que havia provado.
A boca ainda seca.












79



Pessoas me observam curiosas. Será que estou fazendo algo de errado?
Poderia ser mais comum estar por aqui.



Em um bilhete alguém me escreveu:
“Será que você realmente acordaria com um beijo? E se acordasse, em que mundo estaria? E quais sonhos você narraria?”















80



Hoje não recebi carta de ninguém. é engraçado quando não tem carta... havia me acostumado.















81


Um Bilhete diz:
FIM
Em uma letra bem grave e de cor vermelha...

Um bilhete responde:
Não, não é o fim. o Fim sou eu quem decide.
Não, não é o fim. o fim sou eu quem decide.
não, não foi o fim. o fim ainda não é. eu só estou procurando alguma coisa. perdi uma coisa por aí. ainda não acabou. não é para acabar. não assim. Assim, sem fim.
Procuro.
ao mesmo tempo Espero.
Um dia vi dois homens, dois senhores que também esperavam. Eles não procuravam muito, só esperavam debaixo de uma árvore. Uma árvore que um dia secou.
Qual foi o fim mesmo?
Não, acho que não foi. Eles continuam esperando.
Acho que alguém me acordou.













82



Alguém especial passou por aqui. Olhou o ambiente e riu.
Ele conhece minhas histórias.
Um olhar cúmplice.

A senhora dos grandes olhos verdes... lembramos.
Ele me ajudou a encontrar alguma coisa. Não a que perdi, mas outra.
Rimos.

Será que estou acordada?
Será que dormi?

Lembro de quando era um garotinho e saia correndo, batia a cabeça, quebrava o nariz.
cicatrizes...
As coisas estão todas pelo espaço. Ele as trouxe para cá.
talvez alguma história. alguma narrativa que esclareça algo.
cicatrizes do Vôo e da Queda.













83

Tem alguma coisa entre as cartas e as letras projetadas em meu corpo. Entraram pequenas farpas. de madeira. elas relutam para sair, e eu para tirar.
Será que dói?


















84

Um casal que não falava a minha língua também andava pela faixa de segurança amarela. Se Sentiram mais seguros nela também?
Eles pareciam me entender e tomaram banho de chuva comigo. Não estava mais sozinha eu. Corremos e depois eles se foram, como se talvez nunca estivessem estado.

A minha mão deve estar no lugar errado...
é como se não fosse minha.
Como se eu não a sentisse. e Não a sinto.
Tento movê-la, mas é cada vez mais difícil tirá-la do lugar.
“o corpo-filho-outro nada meu, NADANADA de mim...
um MUITOPOUCO...”















85

Era uma vez uma mulher que amou muito.
Ela amava tanto seu marido que o trancafiou num quarto durante anos.

Acho que em algum momento ela o esqueceu lá...
ou talvez tenha apenas perdido a noção do tempo.














86



Duas moças param... guardam a minha imagem... lêem as cartas na beira da cama-mala.
Se querem voyeurs...


Alguém me deixa um recado, outro alguém desenha a minha imagem sonhando...














87




Alguém poderia me contar uma história?
mesmo que eu durma...

















88



Queria escrever sobre uma passagem agora.
sobre alguém que me fez sorrir e chorar.
Ele parou ao meu lado e leu meu diário.
Acho que em algum momento acordei.
Tive uma vontade de começar a escrever sobre o alguém que lia. O alguém que sabia quem eu era.

O corpo desconfortável. Antes eu não cabia mais nele. os braços não serviam para ser braços, as pernas não serviam para ser as pernas. Sobrevoei a superfície da minha pele. Era um caminho longo e árido. Minha pele árida.
Acho que em algum momento me faltou o ar e eu quis parar ali. naquele ponto. naquele exato momento.
Um cheiro forte trancava meu nariz. O calor chegava mais e mais. Me sentia no fogo. como o fogo deve ser. não ardia, simplesmente faltava o ar. Então corri. Tentei fugir para longe da superfície. Fugir...
E então escutei uma voz. Percebi eu aqui.
Busquei a voz em algum lugar. Ela já havia sumido. Corri até as grades e parei...
Talvez eu tenha visto a voz, mas não tenho certeza de seu formato.
Voltei.
Voltei.
O calor recomeçou. a falta de ar.
Acho que em algum momento eu me joguei. eu deveria me jogar. buscar a água, o gelo. O gelo também não é mais. ele derreteu. Sede...
Acho que em algum momento parei.












89

Alguém de olhos azuis muito azuis me deu água.

Bebi um gole,
os outros joguei...
Braços, pernas, pescoço, cabeça, cabelos.
Bebi e mergulhei naquela água de olhos.
ela no meu corpo...
excitação
calma.
calma calmaria.
gratidão.

Alguém de olhos azuis muito azuis, ajudou a moça, e bebeu a água depois.
Pactuamos.

Agora posso olhar o meu reflexo na água. Ela está por toda parte. posso navegar dentro da mala para harpas. talvez assim eu consiga chegar...
meu reflexo n’água.
Calma.
Sem sede.
simplesmente eu e o reflexo.

Poderia buscar mais desses olhos azuis. mas ele já se foi.
veio, saciou minha sede e passou.









90

Perdi meu lápis e agora volto para este onde as letras quase não aparecem.

Acho que em algum momento fui mordida...

meus olhos pesam.
ardem.
sinto falta dos olhos.
tudo mais vazio

A roupa ainda escorre.
eu escorro.
água...
os cabelos molhados...
me vejo no espelho d’água.













91

Dois lápis novos e nada a escrever.
Parece que o tempo está acabando.

Ninei o gelo... ele escorreu... tão pequenino...
tenho frio agora, mas este é bom.

A maçã... embolorada. Parece a boca de uma velha aberta. é um bolor cinza. O perfume ainda é o de uma maçã. Uma maçã que está mole, murcha. o tempo dela se esgota pouco a pouco, mas ainda dura. é como se houvesse uma floresta verde e acinzentada em sua superfície. eu maçã...

Estou com frio, mas é bom.
Restarão páginas em branco.
Não irei preenchê-las.














92

Meus olhos... uma sensação de DOR e ARDOR. DOR E ARDOR.
não sei de onde vem, ou de onde vêem.
me esgoto pouco a pouco...

Olho um alguém. Desolho. Paro. Respiro. Espero.
A Água do copo secou.
Estou com frio,
Ninguém.

Vieram e se foram.
Me trouxeram muitas coisas, mas me deixaram aqui.
eu fiquei.
como sempre fiquei.

Por favor, não deixem a mala para Harpas ir sem mim.
Eu sou o que resta dela
E
Ela o que resta de mim.


Por favor, alguém pode me dizer que horas são?